As prisioneiras políticas Rosa Conde, de 29 anos, e Laurinda Gouveia, de 26 anos, estão em greve de fome desde 8 de Maio para protestar contra a sua detenção, que neste momento é ilegal. Manifestam-se também contra a agressão de que foram vítimas no mesmo dia, por dezenas de outras reclusas. Como protesto adicional, Laurinda Gouveia, condenada a quatro anos e meio, mantém-se seminua na Prisão de Viana.
Por Rafael Marques de Morais (*)
“Q uando fomos agredidas, uma das guardas prisionais, que assistiam aos espancamentos, disse [às colegas], ‘elas que se matem’. Corremos muitos riscos aqui. Estamos inseguras”, denuncia a activista, que cumpre uma pena de dois anos e três meses.
Rosa Conde contou-me que desistiu do protesto de nudez por sofrer de pneumonia. Na quarta-feira passada, desmaiou e foi levada para a enfermaria da penitenciária. “Aqui, qualquer dor, qualquer problema de saúde é tratado com metade de um paracetamol”, denuncia.
Laurinda Gouveia e Rosa Conde são as duas únicas mulheres entre o grupo de 17 activistas condenados pelo crime de terem estudado, na Livraria Kiazele, a adaptação de um manual de não-violência. Na realidade, um dos condenados, o tenente Osvaldo Caholo, nunca participou em nenhum dos encontros, como veio a provar-se em tribunal. Mas, como era necessário sustentar a tese de preparação de rebelião e atentado contra o presidente da República, as autoridades foram buscá-lo a casa, por ser militar e amigo de alguns activistas, de modo a transmitir-se a ideia de seriedade da acusação.
As jovens querem demonstrar, para além do seu direito à liberdade, que quem está nu, na verdade, é o presidente José Eduardo dos Santos: o Rei da Maldade em Angola, o Imperador da Desgraça dos Angolanos. O cárcere e a condenação dos 17 activistas, conhecidos como revús, revelam sobretudo a cegueira e a surdez política de um presidente e do seu regime, que há muito perderam o norte.
Várias foram as oportunidades que Dos Santos e o seu regime tiveram para se livrarem do pesadelo em que os revús se tornaram para o poder. A última ocorreu há dias, quando o Tribunal Constitucional suspendeu a execução da sentença do maldito juiz Januário Domingos. Este condenou os jovens a penas de dois anos e três meses a oito anos e seis meses de prisão. O julgamento foi uma palhaçada mal encenada, um absurdo, um atentado ao bom senso e ao fingimento oficial sobre o funcionamento do sistema judicial. Por isso mesmo, o despacho do Tribunal Constitucional parece ser ignorado.
Neste momento, é o orgulho ferido de um presidente que está em jogo. Habituou-se a humilhar e a triturar os seus adversários políticos, todos aqueles indesejados e que quis excluir. Como podem agora os carcerários do MPLA, o partido no poder, humilhar activistas que, mesmo padecendo de pneumonia, fazem greves de fome e andam nuas, e não têm medo deles nem das suas armas?
Rosa Conde é mãe: tem um menino de 10 anos e luta pela liberdade. Laurinda Gouveia é o exemplo da brutalidade policial do regime de Dos Santos: apesar de ter sido torturada pessoalmente por comandantes policiais, em 2014, continua a lutar pela liberdade. Os comandantes que a torturaram e a Procuradoria-Geral da República, que, por omissão, encobriu o crime, são apenas agentes da repressão do povo angolano.
Como se mantém detidas por muito tempo heroínas que usam a prisão como o seu Largo da Independência, para, como afirma Rosa, “continuar a pressionar esse regime”? Respondam, senhores do MPLA e da inteligente segurança de Estado que aconselham o presidente. Responda, juiz Januário Domingos, o “condenador”.
Semanas antes, Laurinda Gouveia desafiou as autoridades com um protesto de nudez e um voto de silêncio. Fez quatro dias de greve assim. Passou despercebida. Houve também algum tabu em reportar o acto de nudez de uma mulher como forma de protesto. Rosa Conde também cumpriu uma greve de fome de quatro dias, no mesmo período.
As jovens estão conscientes de que o seu sacrifício pessoal não passará despercebido e que é um acto de defesa de todos os restantes companheiros. Assim foram também as greves de fome de 36 dias levadas a cabo por Luaty Beirão e Nuno Dala.
Por mais que o regime tente ganhar este caso, perde sempre para um punhado de jovens. É o que está em jogo. A derrota de Dos Santos e do seu regime, neste caso, é inevitável. O que se pode evitar, e é aconselhável, é a teimosia dos homens do presidente em insistirem numa batalha perdida, que se poderá transformar numa guerra perdida.
Dos Santos já não governa. Improvisa e mantém-se no poder por via do saque, da corrupção e da repressão. É aqui que a sua nudez se manifesta em toda a sua fealdade. A imagem de sofisticação que construiu à custa do saque e da corrupção desapareceu. Resta apenas o facto: é corrupto, é déspota. Com o julgamento, a respeitabilidade do seu exército e da sua guarda presidencial, tal como das forças mais bem armadas da África Subsaariana, passou a ser motivo de chacota. Então, estes jovens, com a queima de pneus, tinham planeado o derrube de dos Santos e a queda do MPLA? Não foi essa a acusação da Procuradoria-Geral, do general João Maria de Sousa e do juiz Januário Domingos?
O que resta a Dos Santos? É agora clara a sua luta contra o povo, contra os jovens a quem em 2013 chamou frustrados. É mais do que claro que o homem comanda hoje uma turba de fanáticos e descontentes silenciosos do MPLA. Este é o partido que sustenta o regime e que há muito se desligou da sua função de defender o povo e os interesses supremos da Nação, como por exemplo a prestação de um serviço de saúde básico de qualidade.
Dos Santos está nu, e Rosa e Laurinda estão em greve de fome.
(*) Maka Angola